quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Olga de Sá: Para que Literatura?

Um dia, na aula de produção textual, me interessei muito por esse texto, ele nos coage a argumentar os fundamentos dos porquês.Então decidi publica-lo aqui. Espero que gostei. 


"Nesta época de tanta ciência e tecnologia, para que publicar textos de Literatura? Quem por eles se interessaria? Os pobres que constituem a maioria em nosso país, absorvidos pelas própria sobrevivência, talvez nem saibam que exista Literatura, embora boa parte dos grandes escritores tenham surgido de famílias pobres. Parece que o sofrimento nutre as Artes."



As perguntas sobre os grandes temas da vida humana se tecem nos poemas e nas obras de ficção. A Literatura, já o disse de outra maneira Roland Barthes, não responde às perguntas, fechando-as; porque as amplia, multiplica suas respostas. Não pretende atingir nenhuma “verdade”; pretende abrir nossa mente para as inúmeras percepções de mundo, que existem nos universos mentais das pessoas.

Mas do que precisamos, dizem os homens práticos, é de soluções, de respostas, de expedientes úteis, de resolver os problemas da cidade e do campo.

Então, para que Literatura? Para levantar questões fundamentais, abrir nosso mundo pequenino, feito de minúsculos fatos do dia-a-dia, ao grande painel da reflexão humana. Vivemos em Lorena, mas podemos transitar em Londres, Paris, Estados Unidos, Rússia, Antártida, Terra do Fogo, Noruega, Índia, no planeta Marte, nas Galáxias infinitas, enfim, no Cosmos. Sem perder o pé na realidade.

A leitura é o meio que temos para conviver com valores e ideias de outros universos, no espaço e no tempo, inacessíveis, de outro modo, à experiência humana. [...]

Por que não Literatura? Por que não Poesia? A poesia é o que criamos de mais próximo do núcleo da realidade e do ser. Parecendo etérea e desvinculada de nossas metas pragmáticas, a poesia, no entanto, nos dá o mundo em lágrimas e em risos, em vida e morte, em angústia e esperança, o mundo em dimensão de humano. O poema recupera o ritmo das coisas, capta o alento e a respiração do todo, e os exprime em “palavras-coisas” essenciais.

Por vezes, a poesia invade nossa vida sob forma de uma criança, um palhaço, um bêbado, um louco. Sob a forma de flor, de bicho, de árvore, de fogo, de beleza, enfim. Se isso acontecer, se formos capazes de reconhecer o rosto de nossa irmã-poesia nos pequenos ou breves encontros com as coisas, então estamos salvos do tédio ou do desespero.

Cada um de nós, enquanto se torna receptivo aos grandes temas da Literatura- o amor e a morte, a liberdade e o destino, o absurdo e o racional, a iniqüidade e a justiça, a angústia e o medo, o desespero e a esperança, a beleza e o grotesco, poderá encontrar em si o diálogo com as profundezas do ser e o silêncio diante do mistério.

Para que Literatura? Para termos o direito ao sonho e a garantia da realidade.



Olga de Sá. Introdução a Contos de cidadezinha,de Ruth Guimarães.
Centro Cultural d'Ávila,1996